Se você não se sente velho, por favor, não leia essa carta!!
Não fará sentido, será perda de tempo, não é pra você! Agora, se você realmente se sente velho, continue lendo, você entende o que eu estou falando…
Na verdade, eu ainda não sou velha, mas já convivi com bastante gente velha. Por isso, pensei em escrever essa carta.
Optei por uma carta porque é o mais próximo de uma conversa, tem desabafos, tem impressões que podem não ser verdadeiras. Também tem proximidade, afinal, a gente não escreve uma carta para qualquer pessoa.
O primeiro assunto que eu “trago pra mesa” é que ser velho, incomoda. Incomoda até quem já é velho. Muitas vezes já levei bronca por chamar alguém de velho, como se velho fosse uma palavra proibida, um palavrão.
Mas eu vejo diferente: velho é uma pessoa com muito tempo de vida. Velho não deveria ser palavrão, deveria ser qualidade: “Uau, você é tão velho!”
É claro que a gente não pode romantizar. Se você é velho, sabe muito bem dos desafios vividos. Às vezes eu me pego imaginando como serei quando ficar velha.
Hoje eu vejo a velhice dos outros, tão diversa! Me sinto sortuda por poder aprender com o que o outro já viveu ou vive. Uma vez, fiz essa pergunta para os jovens alunos em sala de aula: “como você se imagina com 80 anos de idade?”.
Todos eles se imaginavam tão independentes e felizes! Quantos que realmente envelhecerão desse jeito? Quantos estão se planejando para viver assim? Quantos têm condições para envelhecer saudável e feliz?
Eu imagino que ficar velho não seja uma coisa que você vai percebendo dia a dia. Justamente por ser um processo diário, vai passando despercebido. Envelhecer pode ser comparado com um dia que você não vê a hora passar.
Quando se dá conta, já são 10 horas da noite! Aí você para e pensa: “o que eu fiz hoje, o dia inteiro?!” Imagino que isso aconteça quando você se reconhece velho: “o que eu fiz toda a minha vida?”
Xiiii… essa conversa está ficando difícil. Se durante a sua vida você não prestou atenção sobre quem é você e quais são seus sonhos, pensar nisso na velhice com certeza será mais desafiador.
Por outro lado, eu vejo como uma esperança. Sempre haverá tempo… Ter a coragem de fazer uma revisão de vida na velhice já seria uma mudança positiva, impactando os seus próximos anos.
Não estamos falando de um ou dois anos como velho, estamos falando de décadas. A velhice é a fase mais comprida da vida.
Talvez, você que é velho, não saiba a importância que você tem na vida dos “jovenzinhos” ao seu redor. A maneira como você vê a velhice, fala sobre ela e as suas atitudes contribuem para formar a minha visão sobre o que é ser velho.
Se você repugna a ideia de se sentir velho, provavelmente eu vou entender que ser velho não é legal. Porque a gente também vai construindo ideias e rótulos pelo olhar do outro, inclusive sobre o que é envelhecer.
A visão que eu tenho sobre os velhos começou a ser formada na minha infância, junto aos meus avós e tios avós. Eu sempre os olhei com muita admiração. Eram amáveis, me davam atenção e pareciam ter um papel relevante na comunidade.
Quando o meu sobrinho nasceu, eu quis que ele também tivesse um contato próximo com os “bisas”. Lembro uma vez que a sua motoca estragou.
Diante de todas as pessoas presentes (pai, avós, tios e companhia) ele foi direto no bisa Marino. Segundo meu sobrinho, ele era o único que saberia consertar.
No imaginário do meu sobrinho, o seu bisa era um inventor, era quem resolvia os problemas.
Por que eu estou te contando isso? Porque para admirar, a gente precisa conhecer, se envolver, ter oportunidades de viver momentos juntos. Isso também depende de você que já é velho.
Esqueça aquela frase: “eu já contribuí com a sociedade”. Você ainda continua contribuindo com a sociedade. As outras gerações precisam da sua companhia, precisam de você.
Vista a camisa: “Eu sou Velho, sim senhor”. Mostre que a velhice não é o fim da vitalidade, e sim, é a própria beleza em si. Ensine as gerações mais jovens a viver o presente, a curtir cada fase da vida como ela é, com seus ganhos e suas perdas.
Como disse, eu ainda não sou velha, por isso escrevo essa carta para você que já é. Se você já se sente velho, você é diferenciado. Mostre isso para o mundo! Sinta sem preconceito o seu corpo, se sinta confortável em sua própria pele.
Para que pessoas, como os meus alunos, possam envelhecer saudáveis e felizes, nós precisamos de exemplos! Contamos com você! Ser velho é uma atitude revolucionária.
Com carinho,
Quem espera ser velha.
23 de novembro de 2020.
Autora: Gerontóloga Tássia Monique Chiarelli.
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